Pé no fundo! É o anel externo

Interlagos, anel externo, velocidade pura, pé embaixo 95% do tempo, me lembra a primeira volta que dei no autódromo de Interlagos, a bordo do Porsche 550 Spider do meu irmão Paulo. Lembra ainda o grande Luis Pereira Bueno dando um baita trabalho ao Reinold Joest nos 500 km de 1972, apesar de correr com um carro mais fraco. Lembra Celso Lara Barberis e suas três vitórias, uma em 1961, ano em que meu irmão e Luciano Mioso venceram na categoria até 2 litros. Pois bem, em 1982, ano em que corri na TEP (Turismo Especial Paulista, Divisão 3), os planos eram corrermos pelo anel externo de 3.208 metros, 25 voltas neste circuito fabuloso, parte da não menos fabulosa pista de 8.000 metros do Autódromo José Carlos Pace – Interlagos. Pista essa que, por pressão da Fórmula 1, foi totalmente descaracterizada, para tristeza de todos e também dos grandes pilotos do passado, como, Bird Clemente, Chico Lameirão e outros.

O anel externo de Interlagos era um circuito de altíssima velocidade, composto pelas curvas "Um ", "Dois", "Três" e um curva em subida que vai até uma curva que antecede os antigos boxes , hoje conhecida como "Café". Começamos a preparação do carro trocando a relação de marchas da 1ª e 2ª, já que não precisaríamos usá-las, pois optamos por uma "Caixa Um" bem mais curta, com a 3ª marcha 0,78:1 e a 4ª 0,96:1. O diferencial era o mesmo 8/31 que eu já usava. Com este câmbio eu poderia fazer uma largada em igualdade com meus adversários, o que não era possível com a " Caixa 3 ", que tanto me atrasava nas largadas. Eu usaria a 3ª marcha para fazer a curva "Três" e o resto do circuito seria todo em 4ª marcha. No treino da 5ª feira, dois sustos, o primeiro ao chegar à curva "Três". O muro havia sido recém-pintado e, acostumado com a velha sujeira, jamais havia percebido como passávamos tão perto dele. Perigosamente perto. O segundo susto aconteceu na primeira volta rápida, ao ver o conta-giros chegar às 7.200 rpm na entrada da curva “Um”, muito mais rápido do que eu estava acostumado ao entrar no circuito externo vindo do miolo.

Com os sustos controlados, rodar pelo anel externo era uma maravilha, pé embaixo o tempo todo, a "Um " e a “Dois” cravado só tirando o pé na freada da "Três". Era uma freada muito forte, com redução para terceira marcha até contornar toda a curva, engatando a 4ª uns 200 metros depois. Daí para a frente, pé embaixo de novo, novamente a tomada e o contorno das curvas "Um " e “Dois” a uns 200 km/h, com um friozinho na barriga em todas as voltas.

O carro era muito bem montado, chassi trabalhado pelo Carlão e motor do sempre competente Chapa. Eu ia largar na primeira fila, não lembro a posição, mas pensava: "vou dar um susto neles, desta vez  largando junto. Se der, ganho esta corrida". Os mais rápidos eram o Mogames, com o carro em que havia sido vice campeão da Divisão 3 em 1981 e que estava ganhando todas as corridas, o Laércio, com o carro que havia sido campeão da Divisão 3 no ano anterior com o Amadeu Campos, o Elcio Pelegrini, campeão da Fórmula Vê, José Antonio Bruno, Amadeu Rodrigues, Marcos de Sordi, Bé – Clélio Moacyr de Souza –, Álvaro Guimarães, Duran, Artur da Cruz, Tide, Sueco, Manzetti e o amigão João Lindau. 

No domingo, antes da largada, era só na prova que eu pensava, me me concentrando para pular na frente na largada. Placa de um minuto, primeira engatada, placa de trinta segundos, motor a 7.000 rpm, farol vermelho, farol verde, o pulo foi perfeito. Larguei na frente, mas na hora em que fui engatar segunda, a marcha não entrou. Não sei bem se foi erro meu ou do câmbio. Ironicamente, eu não o tinha usado nos treinos para não deixar os outros que tínhamos uma primeira mais curta, por isso não tinha testado em uma arrancada. Só sei que por causa disso caí umas dez posições. Não foi pior que largar com a "Caixa três", pois já estava embalado, porém mais uma vez eu teria de fazer uma corrida de recuperação.

No fechamento da primeira volta já estava em quinto, na segunda em quarto atrás do Elcio, três ou quatro voltas depois já estava embutido nele. Só que o cara era uma pedreira, difícil achar uma oportunidade para ultrapassá-lo. Vínhamos os dois de pé no fundo, na curva "Um" via sua luz de freio acender, só que o carro não perdia velocidade. Depois ele me contou que era apenas um toque no freio com o pé esquerdo para abaixar a frente do carro. Na curva "Três", a freada era no gargalo, já que os dois motores empurravam igual.

Lá na frente o Mogames reinava absoluto, com o Laércio logo atrás mas sem condições de pressioná-lo. Nesta altura estávamos virando em torno de 1m04s, o que era bem rápido para o anel externo. Lá pela sétima ou oitava volta, eu embutido no Elcio, chegamos à curva "Um", quando vi seu carro de frente com o meu. Olhos nos olhos. Exageros à parte, foi um baita susto, pois estávamos no limite. Só lembro de ter tirado o pé e saído pelo lado, sem tocá-lo. Mas ganhei sua posição. Só que o Mogames e o Laércio tinham ido embora, eu na saída da "Dois" e eles na freada da "Três". Tentei andar o mais rápido possível, mas lá pela décima sexta volta meus pneus começaram a dar sinais de fadiga e o conta-giros já não mostrava as 7.500 rpm no fim do Retão, como no começo. Acho que o comando tinha saídodo ponto. E assim terminamos, Mogames, Laércio e eu. Virei na corrida um tempo próximo a 1m03s alto, uma média de 180 km/h!

No final da corrida, quando os bandeirinhas vêm nos saudar, é uma bela sensação. Nessa, sai um "maluco" de um bandeirinha da "Um", acena para os dois primeiros e, quando eu passo por ele, começa a acenar as bandeiras para mim, me aponta e aplaude. Depois ele veio me cumprimentar, pena que não lembro seu nome.

Ah!!! aquela errada de marcha! Não digo que teria vencido, mas teria dado trabalho aos ponteiros. Neste momento, lá de cima o Lindau deve estar dizendo "Alicatãããããããããããããããããão"

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