Autódromo de Interlagos, 1971

Freando com cuidado para encarar a curva do Bico de Pato, procurei nos retrovisores pelo segundo colocado. Acelerei na saída da curva com mais cuidado ainda para as rodas traseiras não destracionarem, olhei rapidamente para os relógios da pressão de óleo e da temperatura e, já chegando ao Mergulho, levei a rotação até o limite apenas dando uma olhada com o canto do olho direito para o conta-giros. Aí freei e reduzi uma marcha para entrar na Junção sentindo cada pneu, torcendo para que nada pudesse sair errado. Na subida, o ponteiro foi novamente ao início da faixa vermelha até pouco antes do Café, quando o motor sentiu um efêmero alívio até esticar mais uma vez a marcha seguinte. Nesse ponto do nosso querido autódromo de Interlagos começa a parte mais emocionante do traçado, quando público, mecânicos, chefes de equipes, autoridades, ratos de boxes e penetras estão, pelo menos teoricamente, nos acompanhando pela passagem da Reta dos Boxes. Foi quando vi lá na frente o diretor de prova, um senhor de óculos e vasto bigode com a bandeira quadriculada nas mãos. Este sim, realmente me acompanhava atentamente com os olhos, mas as lágrimas teimavam em escorrer de meus olhos.

A paixão começou cedo, em casa mesmo, com os amigos de meu irmão doze anos mais velho incansavelmente falando sobre automobilismo. Muitos deles eram grandes pilotos, alguns já campeões. Foi dez anos antes da cena que descrevo no início que eu pisei pela primeira vez no nosso templo da velocidade, Interlagos. Com oito anos comecei senti as primeiras sensações deste esporte, os cheiros misturados de óleo, graxa, pneus e adrenalina que rondam os boxes, os carros passando velozes e toda aquela tensão do ar que só quem já esteve por lá pode entender. Em um treino livre para os 500 Quilômetros de Interlagos de 1961, assim que os trabalhos das equipes terminaram meu irmão me proporcionou a alegria de algumas voltas pelo anel externo, em seu Porsche 550 RS, o mesmo carro em que ele e seu parceiro Luciano Mioso participariam da prova no dia seguinte. Esse carro já havia sido pilotado por grandes nomes, como Chico Landi, Christian Heins, Celso Lara Barberis e Ciro Cayres. Depois dessas poucas voltas, comecei a ler e absorver tudo sobre automobilismo, exatamente quando começaram a surgir na minha mente meus grandes heróis, gente de verdade sobre quem eu lia e ouvia com muito interesse, como Luiz Pereira Bueno, Chico Landi, Camilo Christófaro, Bird, Jim Clark e outros não menos importantes.

Voltando a 1971, as lágrimas ainda não haviam secado completamente quando, já na corrida seguinte, eu dividia os boxes com pilotos veteranos. Só os boxes, uma vez que, correndo na categoria Estreantes e Novatos, ainda não era hora ainda de dividir a pista com eles. Eu fazia isso com uma nova geração de pilotos que, assim como eu, estava em início de carreira. Apesar de ter apenas 18 anos de idade, alguns desses pilotos já eram amigos antigos, como Julio Caio Azevedo Marques, Luiz Antonio “Teleco” Siqueira Veiga, Manduca Andreoni, Jr. Lara. Também comecei boas amizades a partir daí, com Edo Lemos, Jacob Kounrouzam, Alfredo Guaraná Menezes, Adolfo Cilento, João Lindau, Duran, Conde e muitos outros.

Pois bem, é para falar um pouco do nosso automobilismo, de ídolos que ao longo da caminhada se transformaram em amigos e dos amigos que fiz, que também são ídolos de muitos, que começo a escrever para vocês. Abençoados que somos, depois de tantos anos continuamos juntos e nos encontramos sempre. Jacob, Edo, Manduca, Teleco, Julio Caio, Jr. Lara, Duran, Arturo, Gabriel, Pankowski, Ricardo Bock, Chico Lameirão, Benjamin Rangel, Crispim, Fernando Fagundes, Poppi, Dimas, Caito, Ronaldo, Regina Calderoni...

Ah!...sabe aquele diretor de prova que com seus grandes óculos e bigodão me aguardava na linha de chegada com bandeira quadriculada nas mãos para, em um pulo agitá-la para mim? Era Expedito Marazzi um dos grandes amigos que fiz e está sempre presente em nossas conversas e pensamentos. Aos amigos presentes e aos que já se foram, como Expedito, Avallone, Lindau, Adolfo e Luiz, por mais incrível que possa parecer, eles estão sempre junto a nós!

Rui Amaral Lemos Jr.

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