Minha estréia na Divisão 3

Pouco tempo depois da grande reforma do Autódromo de Interlagos no fim dos anos 60, novamente a nossa pista passava por reformas, no ano de 1971, desta vez para receber a Formula Um. Hoje isso é comum, não é? Por isso, as corridas não aconteciam com a frequência com que gostaríamos. O nosso automobilismo, como quem gosta ou vive dele sabe, nunca foi forte como o de nosso vizinho lé de baixo, o argentino. Pior ainda se comparado ao automobilismo inglês. Eu, assim como todos os meus amigos que começávamos a brincadeira, estávamos loucos para acelerar, pois já sabíamos que era aquilo mesmo que gostávamos de fazer. A Divisão 1 já não me atraía tanto, eu queria mesmo era pilotar carros mais rápidos e preparados para a pista, que freassem bem, acelerassem forte e fizessem curvas de uma forma muito mais firme e divertida do que aquele Dodge Dart com o qual eu havia participando da minha primeira corrida. Carrão que, apesar de veloz e de seus quase 200 cavalos declarados, ia bem nas nas retas e nas retomadas, mas era particularmente difícil na hora de contornar curvas com precisão e era quase um caminhão para frear.

Para a prova seguinte do calendário então, que era o Torneio União e Disciplina, tomei a decisão de alugar um Fusca da Divisão 3 da equipe de Pedro Victor de Lamare. A sensação da primeira vez que treinei com ele guardo até hoje na memória: o banco concha, o volante Fittipaldi, as rodas de liga com pneus Cinturato nas medidas 165x13 na dianteira e 185x13 na traseira, grandes demais para a época, portas e toda carroceria aliviada no peso e as janelas de acrílico no lugar dos vidros originais. O câmbio era um Caixa 3 com escalonagem especial para pista, desenvolvido por grandes nomes de nosso automobilismo - como o mago Miguel Crispim Ladeira, até hoje um querido amigo -, e um motor 1.600 com dois carburadores Webber 48. A potência talvez fosse de uns 100/105 cavalos, duas vezes mais que a de um VW original de fábrica.

Sentei, afivelei o cinto de segurança, coloquei o capacete, liguei a chave da ignição e a bomba elétrica e, sob a ordem do mecânico da equipe, apertei o botão de partida. O ronco ensurdecedor daquele motor com escapamento 4x1 tomou conta do interior daquele carro desprovido de forração e que tinha grandes buracos na parte interna para reduzir o peso. Acelerei de leve e fui tirando o pé da embreagem aos poucos, até descobrir como não era fácil arrancar com aquele motor que cruzava em alto giro. Ainda mais com aquele câmbio, cuja primeira marcha, naquela configuração, chegava a uns 80/85 km/h. Fui em primeira marcha até a saída dos boxes, que naquele tempo era na tomada da curva Um, entrei na pista, acelerei fundo e o giro do motor ia subindo até o limite. No meio do Retão já estava em quarta marcha. Dei três ou quatro voltas, fui para o box para ver se tudo estava em ordem e voltei novamente para pista. Realmente era aquilo mesmo que eu gostava e queria fazer: frear lá dentro da curva Três, engatar a terceira para contorná-la, chegar de pé no fundo na Ferradura, fazer o Sol rapidamente em quarta marcha e pendurar nos freios na tomada do Sargento, sentindo toda aquela suspensão dura como pedra. Aquele carro rente ao chão sacolejava mais que qualquer outro que eu já havia guiado.

Na corrida, pois bem, cheguei em 5º lugar em uma das baterias e em 6º na outra, terminando na geral com o 6º lugar, logo atrás de Alfredo Guaraná Meneses e ambos atrás do Puma preparado pela MM da Divisão 4 de José Martins Junior, que foi o vencedor da prova. Na kinha frente ainda estavam Hiroshi Yoshimoto, com um VW D3 preparado pela Kinko, Paulo Kondrackti e José Maldonado, também com VW D3. Então, depois de falar sobre a primeira vez que participei dessa maravilhosa categoria que era a Divisão 3, uma coqueluche entre os fãs do automobilismo de Tarumã, no Rio Grande do Sul, a Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, deixo pra contar mais sobre seus grandes pilotos - entre eles alguns que se tornaram meus amigos -, seu regulamento, a preparação dos motores, dos carros e das histórias particulares. 

Até a próxima.
Rui Amaral Jr.

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